A chamada pejotização é uma prática cada vez mais comum nas relações de trabalho no Brasil. Ela ocorre quando uma empresa exige que o trabalhador atue como pessoa jurídica (PJ) — ou seja, constitua uma empresa em seu nome — para prestar serviços que, na prática, possuem todas as características de um vínculo empregatício.
Embora a contratação por pessoa jurídica não seja ilegal, o problema surge quando essa forma é usada para mascarar uma relação de emprego e, assim, fraudar direitos trabalhistas como férias, 13º salário, FGTS e horas extras.
Como identificar a pejotização?
De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), uma relação de emprego se caracteriza pela subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade. Se esses elementos estiverem presentes, ainda que o trabalhador seja contratado como PJ, o vínculo deve ser reconhecido como empregatício.
Por exemplo, mesmo que o trabalhador emita nota fiscal como pessoa jurídica, se ele:
Cumpre jornada de trabalho fixa;
Responde a um superior hierárquico;
Trabalha com exclusividade;
Utiliza a estrutura da empresa;
então, pode estar ocorrendo uma fraude trabalhista.
Riscos para o trabalhador e para a empresa
Para o trabalhador, a pejotização representa a perda de diversos direitos garantidos pela CLT, além de insegurança jurídica e previdenciária. Muitos acabam sem acesso a benefícios como auxílio-doença, aposentadoria e seguro-desemprego.
Para a empresa, o risco é financeiro e jurídico. O trabalhador pode ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício. Se o pedido for aceito, a empresa poderá ser condenada ao pagamento retroativo de salários, férias, 13º, FGTS, verbas rescisórias e multas — além de eventuais danos morais.
O que diz a Justiça do Trabalho?
Os tribunais brasileiros têm sido cada vez mais rigorosos na análise de contratos firmados por meio da pejotização. Em diversas decisões, juízes têm reconhecido o vínculo empregatício mesmo quando há contrato formal entre a empresa e a pessoa jurídica do trabalhador.
O entendimento dominante é o de que a forma contratual não se sobrepõe à realidade dos fatos. Ou seja, não importa se existe um contrato PJ: se a relação for típica de emprego, o vínculo deve ser reconhecido.
E a Reforma Trabalhista?
A Reforma Trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017) trouxe algumas possibilidades de contratação mais flexíveis, como o trabalho intermitente e a terceirização de atividades-fim. No entanto, ela não legalizou a pejotização. A contratação por PJ só é válida quando há autonomia real do prestador de serviço, sem subordinação nem habitualidade.
E o posicionamento do STF?
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem adotado posicionamentos relevantes sobre a prática da “pejotização”, que consiste na contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas para desempenhar funções típicas de empregados, muitas vezes com o intuito de reduzir encargos trabalhistas. Abaixo, compilamos os principais entendimentos da Corte sobre o tema:
A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender todos os processos que discutem a licitude da contratação de pessoas jurídicas para prestação de serviços – prática conhecida como “pejotização” – provocou forte reação entre juízes, advogados trabalhistas e procuradores do trabalho em todo o país. A medida, proferida em abril de 2025, paralisou milhares de ações que tramitavam na Justiça do Trabalho, gerando incertezas sobre os rumos da proteção trabalhista no Brasil.
O que está em julgamento no STF?
O STF reconheceu a repercussão geral do Tema 1389, que discute a licitude da contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas, bem como a competência da Justiça do Trabalho para analisar esses casos. A decisão suspendeu, em todo o território nacional, os processos que tratam da matéria, até que o mérito seja analisado pela Corte. A suspensão tem como objetivo uniformizar a jurisprudência sobre um tema sensível às relações de trabalho contemporâneas.
Entre os pontos que serão analisados estão:
• A validade dos contratos de prestação de serviços por meio de pessoa jurídica;
• A definição da competência (se da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum);
• A quem cabe o ônus da prova em casos de alegada fraude contratual.
Mobilização da magistratura trabalhista
Em resposta à decisão, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), com apoio da ABRAT e da ANPT, organizou manifestações em diversas cidades do país. Juízes e membros do Ministério Público do Trabalho alertam para os riscos de esvaziamento da Justiça do Trabalho e de retrocessos na proteção social.
Impactos na Previdência Social
Estudos indicam que a prática da pejotização pode gerar impactos negativos na arrecadação da Previdência Social. Segundo dados mencionados pelo senador Paulo Paim, desde a aprovação da Reforma Trabalhista em 2017 até 2023, o uso excessivo de contratos como pessoa jurídica gerou um déficit de R$ 89 milhões aos cofres da Previdência.
Jurisprudência Anterior do STF
Em decisões anteriores, o STF tem considerado lícita a terceirização por meio da pejotização, desde que não haja subordinação jurídica, habitualidade, onerosidade e pessoalidade — elementos característicos da relação de emprego. Por exemplo, o ministro Luiz Fux derrubou decisão que reconheceu vínculo empregatício entre uma empresa de construção e uma arquiteta contratada como pessoa jurídica, entendendo que a contratação era válida.
Conclusão
A pejotização é uma prática que deve ser combatida quando usada para burlar a legislação trabalhista. Empresas devem estar atentas aos limites legais e buscar segurança jurídica em suas contratações. Trabalhadores, por sua vez, devem conhecer seus direitos.
Por: Dr. Marco Adriano Marchiori