Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA): Conheça Todas as Garantias Legais no Brasil
As pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) possuem direitos amplamente protegidos por leis específicas no Brasil, com o objetivo de promover inclusão, dignidade, autonomia e acessibilidade em todas as esferas da vida. A Lei nº 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, reconhecendo o autismo como uma deficiência para todos os efeitos legais.
Além dela, outras normas complementares — como o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) — ampliam os direitos em áreas como saúde, educação, trabalho, cultura, transporte e isenções tributárias. Confira a seguir uma análise detalhada de cada um desses direitos:
1. Saúde: Atendimento Multidisciplinar, Gratuito e de Qualidade
A pessoa com TEA tem direito a atendimento integral pelo SUS (Sistema Único de Saúde), abrangendo diagnóstico precoce, acompanhamento periódico e tratamentos multidisciplinares. Isso inclui serviços de neurologia, psiquiatria, psicologia, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, entre outros.
É garantido, também, o fornecimento gratuito de medicamentos e suplementos alimentares, quando prescritos por médicos da rede pública ou credenciados. No caso dos planos de saúde, a cobertura deve incluir tratamentos como:
ABA (Análise do Comportamento Aplicada)
TEACCH
Integração Sensorial
Fonoaudiologia especializada no TEA
Psicoterapia individual e em grupo
Vale destacar que a justiça tem reconhecido reiteradamente a obrigação dos planos de custear esses tratamentos, mesmo que não estejam no rol taxativo da ANS, quando indicados por profissionais especializados.
2. Educação Inclusiva: Direito à Matrícula e ao Suporte Personalizado
As escolas públicas e privadas são proibidas de recusar matrícula de alunos com TEA, sob pena de sanções administrativas, cíveis e até penais, por ato discriminatório. A recusa, direta ou indireta (como cobrança de valores adicionais), configura violação à Constituição Federal, ao Estatuto da Pessoa com Deficiência e à própria Lei do Autismo.
Além disso, as instituições devem:
Disponibilizar professores de apoio ou cuidadores, conforme avaliação pedagógica.
Adaptar materiais didáticos e metodologias de ensino.
Oferecer ambiente adequado à rotina e às necessidades sensoriais do aluno com TEA.
O Ministério Público da Educação (MEC) e os Conselhos de Educação têm reforçado que a inclusão escolar não é apenas o acesso à matrícula, mas a permanência com qualidade de ensino.
3. Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS): Apoio Financeiro para Famílias de Baixa Renda
O BPC é um benefício assistencial previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), destinado a pessoas com deficiência, inclusive autistas, e idosos em situação de vulnerabilidade. Para ter direito, é necessário:
Comprovar renda familiar mensal inferior a 1/4 do salário mínimo por pessoa;
Apresentar laudos que comprovem o diagnóstico da pessoa com TEA;
Estar com o Cadastro Único atualizado.
O valor do benefício é de um salário mínimo mensal, pago diretamente ao beneficiário, independentemente de contribuição ao INSS. O BPC não dá direito a 13º salário e não é pensão, mas é fundamental para muitas famílias.
4. Mercado de Trabalho: Cotas, Inclusão e Respeito à Neurodiversidade
A legislação brasileira obriga empresas com mais de 100 empregados a reservarem de 2% a 5% das vagas para pessoas com deficiência, conforme a Lei nº 8.213/91. Autistas têm direito de concorrer a essas vagas com:
Apoio no ambiente de trabalho, incluindo mediadores, adaptações de tarefas e horários flexíveis;
Processos seletivos adaptados à sua forma de comunicação e interação;
Ambientes sensorialmente adequados, evitando sobrecarga auditiva, visual ou emocional.
O reconhecimento da neurodiversidade como valor dentro das empresas vem crescendo, e há projetos específicos para inclusão de pessoas com TEA em grandes corporações.
5. Jornada Reduzida para Servidores Públicos
Pais, mães ou responsáveis legais por pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) que sejam servidores públicos têm direito à redução da jornada de trabalho, sem prejuízo da remuneração, desde que comprovada a necessidade de acompanhamento contínuo e que o servidor seja o único responsável pelos cuidados.
Esse direito está fundamentado no artigo 98, § 3º da Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União. O dispositivo estabelece:
“Será concedido horário especial ao servidor com deficiência, bem como ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário.”
Além disso, com base em regulamentações internas de diversos órgãos da Administração Pública Federal e também decisões judiciais, tem-se reconhecido a possibilidade de redução da jornada em até 50%, quando:
Fica demonstrado que o servidor é o único responsável pelos cuidados diários da pessoa com deficiência (no caso, o autista);
Existe comprovação por junta médica oficial sobre a necessidade de acompanhamento constante;
O horário especial não compromete o funcionamento essencial do serviço público.
Diversos tribunais já consolidaram jurisprudência favorável à aplicação desse direito, inclusive dispensando a compensação da carga horária, diante da prioridade absoluta da pessoa com deficiência (art. 227 da Constituição Federal e art. 4º do Estatuto da Pessoa com Deficiência).
No entanto, essa prerrogativa pode ser aplicada também aos servidores estaduais, municipais e celetistas por analogia, dependendo da legislação específica de cada ente federativo e das normas internas de cada órgão público.
A fundamentação jurídica se baseia no princípio da dignidade da pessoa humana, na proteção à infância e na responsabilidade do Estado em promover a convivência familiar e a inclusão social, conforme garantido pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Jurisprudencialmente, essa aplicação tem sido reconhecida amplamente pelos tribunais, mesmo em casos onde a compensação de horário não é obrigatória, priorizando o bem-estar e os cuidados necessários à pessoa com deficiência.
Nos casos em que o pedido é negado administrativamente, é possível recorrer à via judicial. A jurisprudência tem sido amplamente favorável, reconhecendo esse direito como decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, da proteção à infância e da responsabilidade do Estado em garantir a convivência familiar e a inclusão social.
6. Isenção de Impostos para Compra de Veículos
As pessoas com TEA, quando habilitadas ou representadas legalmente, podem comprar carros 0 km com isenção dos seguintes tributos:
IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados)
ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)
IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores)
IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), em alguns casos
Além da isenção, podem ter descontos especiais oferecidos por montadoras e acesso a vagas de estacionamento preferenciais.
7. Transporte Gratuito Interestadual
Pessoas com TEA que vivem em famílias com renda mensal de até dois salários mínimos podem obter o Passe Livre Interestadual, que garante gratuidade em viagens de ônibus, trem ou barco entre estados.
É necessário apresentar laudo médico, comprovante de renda e documentos pessoais. A emissão é feita pelo Ministério da Infraestrutura, e a reserva deve ser feita com antecedência mínima de três horas em relação ao embarque.
8. Carteira de Identificação da Pessoa com TEA (CIPTEA)
A Lei nº 13.977/2020 criou a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA), que garante:
Atendimento prioritário em todos os estabelecimentos públicos e privados;
Acesso a serviços de saúde e educação com mais agilidade;
Facilitação de transporte público e emissão de documentos.
A carteira é emitida gratuitamente pelos municípios e deve conter o número do CPF, nome completo e a informação do diagnóstico.
9. CNH Especial para Pessoas com TEA
Adultos autistas têm direito a uma avaliação médica especial para obtenção da CNH (Carteira Nacional de Habilitação). Caso sejam considerados aptos, poderão obter a CNH na categoria PCD, o que permite:
Isenções tributárias na compra de veículos;
Direito a estacionar em vagas preferenciais;
Adaptações específicas no veículo, se necessário.
É fundamental que a avaliação respeite as características individuais, especialmente as relacionadas à coordenação motora e à interação com o ambiente.
10. Meia Entrada em Eventos Culturais e Esportivos
A Lei nº 12.933/2013, em conjunto com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, garante meia entrada para pessoas com deficiência, inclusive autistas, em eventos culturais, esportivos, cinematográficos e de lazer.
Basta apresentar documento oficial que comprove a deficiência ou a carteira CIPTEA. Em muitos casos, um acompanhante também tem direito à meia entrada.
11. Descontos em Contas de Água e Energia Elétrica
Diversos estados e municípios, além das concessionárias, oferecem tarifas sociais de água e luz para famílias com pessoas com deficiência, incluindo TEA. Os descontos podem chegar a até 65%, conforme critérios de renda, consumo e vulnerabilidade.
A inscrição deve ser feita diretamente com a concessionária, apresentando:
CPF, RG e comprovante de residência;
Laudo médico;
Cadastro Único atualizado.
12. Descontos de até 80% em passagens aéreas
As pessoas com deficiência e seus acompanhantes também possuem direitos importantes no transporte aéreo.
De acordo com a Resolução nº 280 da ANAC, o acompanhante de pessoa com deficiência, incluindo aquelas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), pode obter desconto de até 80% no valor da passagem aérea, desde que comprovada, por meio de laudo médico e formulário próprio (MEDIF ou FREMEC), a necessidade de assistência durante o voo.
Esse benefício deve ser solicitado com antecedência mínima de 72 horas e reforça o compromisso do Estado brasileiro com a promoção da acessibilidade, da inclusão social e da dignidade da pessoa humana.
Conclusão: Garantir Direitos é Promover Dignidade e Inclusão
Conhecer e reivindicar os direitos das pessoas com TEA é fundamental para garantir inclusão social, autonomia e respeito. A legislação brasileira é robusta, mas ainda há muitos desafios na sua aplicação prática — motivo pelo qual a atuação jurídica é essencial para assegurar essas garantias.
Se você convive com alguém com TEA ou atua profissionalmente com esse público, busque orientação jurídica qualificada para que todos esses direitos sejam efetivados da forma correta.
Por: Dr. Marco Adriano Marchiori